Os olhos não veem, o coração sente

Batista de Lima 

(jbatista@unifor.br) 

Professor Mestre da Universidade Estadual do Ceará – UECE

Assessor Pedagógico da Universidade de Fortaleza – UNIFOR 

Membro da Academia Cearense de Letras 

Membro do Conselho de Educação do Estado do Ceará

 

 

Olhos para Mariella

                                                                      
O terceiro livro de Angélica Sampaio tem um endereço certo, o público adolescente. Antes ela publicou um livro de poemas com o título de “Êxtase” (1998) e, logo em seguida, o romance “Iraguacy, a morena índia do sertão” (2001). Agora, mais madura, já graduada em Letras e pós-graduada em Literatura Brasileira, ela demonstra maior domínio do signo literário, confeccionando uma narrativa entrelaçada de episódios inesperados que terminam por influenciar na felicidade dos personagens.
O título, “Os olhos não veem, o coração sente”, poderia ser simplesmente nominado de “Olhos para Mariella”. Afinal é dessa garota que emana toda a trama do enredo. Essa adolescente não é única porque sua saga se universaliza e respinga em todas as garotas da sua idade. Olhar para Mariella é olhar para os adolescentes, para essa idade de tantos enigmas que só se suportam com o cavalgar dos sonhos. É por isso que essa menina sonha como se estivesse como embaixatriz de todas as meninas de sua idade.
Esse livro é um canto de louvor à adolescência, mas também de valorização da família. Por isso que é importante, além de atentar para as relações da protagonista com suas amigas, observar os avós Zuquinha e Joaquim como alicerces de seu existir que vem calçamentado de ternura e afeto. Dos avós passam para seus pais esses caracteres. É por isso que Filipe e Sarah encarnam o casal padrão do mundo de hoje, com seus afazeres vários por conta de um padrão de vida a que todos almejam.
O livro traz uma narrativa que pode ser classificada como romance. É aí onde entra o talento de Angélica em conseguir segurar o leitor numa narrativa longa, principalmente o leitor jovem. Ela, no entanto, utiliza artifícios para conquistar essa faixa de leitores. Primeiro constrói seu texto em terceira pessoa o que já universaliza a narrativa. Sua escritura passa a eleger o jovem de qualquer parte, pois todos os jovens possuem características comuns, e é nesses pontos de intersecção onde a autora fisga seus leitores.
Depois há a questão da linguagem. Como o livro é para adolescentes, a linguagem é focada nesse público leitor. Isso não é difícil para a escritora porque, no cotidiano, ela milita como professora de Língua Portuguesa em alguns dos  melhores colégios de Fortaleza. Essa sua lida diária com a juventude dá-lhe respaldo para escrever com essa linguagem propícia para o leitor adolescente, tão influenciado pela comunicação que transita pelas redes sociais. Portanto, que não se procurem grandes lances metafóricos, pois isso seria afastar esse público leitor.
Por isso é que a narradora observadora elegeu Mariella, com seus doze anos de idade, como a personagem principal, carregada de sonhos, tendo como principal deles se tornar exímia dançarina de balé clássico. Acontece que essa heroína é habitante de uma grande metrópole e, portanto, está em permanente exposição aos perigos dessa selva de pedra. É nesse contexto que surge o conflito, quando ela e sua mãe se tornam testemunhas de um incidente de trânsito marcado pela violência. A partir daí começa o amadurecimento da personagem que perdura no restante da história.
Esse acontecimento inicial é o mote para que as colegas de Mariella se unam numa campanha contra a violência. Mas não é apenas o drama de Mariella que move a história. Como o romance é um gênero pródigo em ramificações, já se vê logo em seguida a heroína envolvida na recuperação de uma colega que sofre de bulimia por conta do trauma da separação dos pais. Essa garota, Sophia, em vez de se recuperar com uma terapia convencional, termina por se curar com a adesão de suas colegas no mutirão de ajuda.
Nesse momento do livro entra a parte didática de formação do jovem como solidário diante dos dramas dos circunstantes. Tudo parecia ir muito bem quando um drama familiar maior invade a vida de Mariella. Sua mãe é acometida de câncer e o tratamento pode levá-la à cegueira. Importante, no entanto, nesse momento, a dedicação do marido e da filha para sua recuperação. E tudo termina com um final feliz quando Mariella dança, no festival, a Valsa das Flores, de Tchaikovsky, o que lhe confere juntamente com sua professora e a companhia de dança o direito de se apresentarem no Teatro Bolshoi, em Moscou.
Como se vê tudo parece bem arrumado para dar certo. Mas não é esse o objetivo do livro. Todo o contexto é um canto de louvor ao otimismo. É uma lição de vida para dar perspectiva ao leitor adolescente. Por isso que é uma narrativa própria para alunos das séries terminais do ensino fundamental. Afinal, essa garotada precisa muito dessas lições de vida. A determinação de Mariella é um exemplo a ser seguido. E o livro “Os olhos não veem, o coração sente” um paradidático a ser aplicado em qualquer escola onde viceja essa geração de que Mariella é um símbolo.