domingo, 26 de fevereiro de 2012

XXIV - Poema de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

O que nós vemos das coisas são as coisas.
Por que veríamos nós uma coisa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?


O essencial é saber ver.
Saber vem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.


Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma sequestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores,
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas de flores.


Às vezes, em dias de luz perfeita e exata, 
Em que as coisas têm a realidade que podem ter,
Pergunto a mim próprio devagar
Por que sequer atribuo eu
Beleza às coisas


Uma flor acaso tem beleza?
Não: têm cor e forma
E existência apenas.
A beleza é  o nome de qualquer coisa que não existe
Que eu dou às coisas em troca do agrado que me dão.
Não significa nada.
Então por que digo eu das coisas: são belas?


Sim, mesmo a mim, que vivo só de viver,
Invisíveis, vêm ter comigo as mentiras dos homens 
Perante as coisas que simplesmente existem.


Que difícil ser próprio e não ver senão o visível!