segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Aylan, o menino sírio que a guerra calou!

Foi-se um inocente, vítima das perseguições, dos horrores da guerra que assola a Síria. Ele era apenas um menino de 3 anos, mas não, não devo denominá-lo simplesmente como um menino, pois ele tinha nome, Aylan Kurdi. Seu pai foi o único a sobreviver naquele fatídico dia, o da morte de toda a sua família. Daquele dia em diante, o pai de Aylan, Abdullah, jamais veriam vivos, Aylan, o caçula; o mais velho, Khaleb e nem sua esposa, Rihana. Talvez tenham escapado de horrores ainda mais pesarosos se estivessem vivos (se é que viver sem seus entes queridos não seja dor mais do que cruel para quem ficou), sua mulher poderia ser uma entre tantas a serem perseguidas e violentadas em meio ao caos da guerra, seus filhos seriam mortos ou retirados de seu lar e ele ser degolado. Enfim, fugiam de uma vida cheia de dissabores, de uma morte já em vida. Ao saírem de seu lar, naquele dia, só existia uma família, não uma pátria a ser deixada para trás, pois seu país era apenas solo que já não lhes garantia o direito à vida, à liberdade, a mínima condição humana: que é a da existência... A guerra já assolava o beiral de sua porta, já emergia em meio ao medo, a fome voltejava suas entranhas e o legado de uma existência sucumbia em olhares pesarosos, sem esperança de dias melhores. Aquela família, na verdade, deixava para trás não somente seu país, a Síria, mas tentava aniquilar a dor e o medo pelo temor da morte. Mas, mal sabiam eles que a morte os aguardava no mar. Ao embarcarem naquele bote estavam todos fadados ao fracasso, pois só um membro daquela família ficaria vivo: o pai Abdullah. Ao pisarem naquele barco eram conduzidos a uma viagem sem chegada, sem porto final. Chego a pensar em quem terá vestido Aylan naquele dia, provavelmente sua mãe. E, como mãe, pensasse em como seria a vida ao desembarcarem em outra terra... Então, Rihana calçou os sapatos em Aylan, os sapatos que não pisariam na nova terra, arrumou o filho com ares de esperança que brotava em seus corações... Entretanto, Aylan não pisou em terra firme, seus olhos não viram o novo horizonte, suas mãos não tocaram a areia da praia, seus lábios não pronunciaram palavras de alegria, pois ele foi silenciado pela água que banhou seus pulmões e que, lentamente, o impediu de pronunciar seu adeus final à vida. Sem chances de sobreviver, certamente, não teve tempo de entender o que de fato ocorria quando o bote afundou no mar e seu corpo frágil emergia e imergia da água, certamente sentiu medo, abandono, procurou por salvação, apoio... Talvez tenha visto seu irmão e pensado “Fique comigo”. Talvez tenha pedido socorro à sua mãe: “Me ajude!”. Talvez tenha solicitado ao seu pai “Salve-se!”. Talvez tenha pedido aos céus para livrá-lo de toda aquela mazela... Talvez... talvez... Quem sabe?! O que importa, agora? Milhares de pessoas fazem essas rotas de fuga todos os meses e o mundo fica a ver a agonia dos povos da Síria, Paquistão, Iraque, Irã, Nigéria, Afeganistão, Eritrei, entre outros que fogem da violência, dos dissabores da guerra, da fome, da violação dos direitos humanos, da agonia de suas sobrevidas... Aylan seria apenas mais um desses tantos refugiados que a Europa não recebeu, mais um número a engrossar estatísticas e a fomentar dados de pesquisa e de gráficos. E, enquanto o mundo outrora, viu com alegria, a queda do muro de Berlim, tem vergonha em tempos do agora ao ver surgir um muro de mais de 175km ao longo de toda a fronteira da Hungria para tentar aplacar o fluxo de imigrantes que suplicam por asilo no norte da Europa. E o mundo se vê, então, numa crise mundial sem precedentes... Crise econômica, política, decadência de grandes povos, mas a maior de todas as crises é a da insensibilidade. Estamos na era da revolução digital, entretanto nunca se viu tantas pessoas solitárias, sem norte, sem discernimento... estamos cada vez mais hostis! Vivemos em “ilhas”, imersos em nós mesmo, a olhar apenas para nossos umbigos, nossos problemas. Mas, uma frágil criança, naquele dia, deixou o mundo enxergar o que muitos não queriam ver: a realidade latejante dos que vivem à margem do mundo: os marginalizados, os oprimidos, os sofridos, os que choram, os que clamam por dias de glória. Não que haja realidade pior nesse mundo de meu Deus, mas, nesse instante, o que se ressalta é unicamente esse contexto insólito. Não se pode deixar de lado todas as outras mazelas que assombram a humanidade ou tentar comparar dor maior ou menor, não. Todas as lutas pela sobrevivência, pelo direito à igualdade e à vida são legítimos, entretanto, nada comove mais do que uma criança. Infelizmente, Aylan Kurdi, não voltará mais à vida, nem a sorrir, nem muito menos poderá falar o que sentiu enquanto seu corpinho flutuava rumo às margens da praia de Bodrun da ilha de Kos, na Grécia. Ele ficou apenas à margem da praia, à margem da esperança... O mar não ficou com seu corpo, pelo contrário, deixou-o próximo ao seu destino, mas tirou-lhe a vida... Todavia, ficou o alerta, o grito dos excluídos, o apelo dos desabrigados, o suspiro dos que padecem, a tênue linha que separa os que podem e os que não podem viver em paz ficou à mostra... E assim, Aylan se mostrou ao mundo, como um ícone da perseguição jhadista do Estado Islâmico... De seus lábios nada se ouviu, suas mãos não nos entregaram nada, nem seus pequeninos pés dirigiu-se para ninguém para apontar seus opressores. Mas seu silêncio nos disse muito mais em sua morte... Seu corpo inerte, caído sob a areia da praia e a bruma branca das ondas a orlá-lo disse-nos muito mais daquilo que o mundo não pode mais calar e nem muito menos deixar de querer enxergar... Vai, menino Aylan, vai aconchegar-se no colo de sua mãe. Vai, menino Aylan, vai segurar a mão de seu irmão para correr pelos arredores do lugar onde agora jaz. Vem, menino Aylan vem acalentar seu pai dessa dor... Vem, menino Aylan, vem dizer ao mundo o que já não pode mais ser ignorado! Vai em paz! ANGÉLICA SAMPAIO.